segunda-feira, outubro 25, 2010

tomé em tempos de crise (2)

O druida era homem para morar longe dali, longe de si, longe da sua própria morte, que ia a caminho, é ela que vem sempre ter connosco, não é por ser o Tomé, neste caso, que vai a caminho, sendo, mesmo não querendo, mesmo que seja pouco o que lhe pagam, a morte do druida.
Estava a dez metros de distância do druida. Ele estava de costas, onde é que já se viu, de costas para a própria morte, que falta de respeito para com o travão de todos os males, o atenuador de todas as dores, o silenciador de todos os bicos, mesmo a tempo, majestade, não me vires as costas, scar, quem diz scar, diz druida, não estamos nós na selva, nem isto é animação, é sim relato do que faz tomé em tempos de crise, não me vires as costas druida.
Os dez metros fazem-se mal, apesar de serem só dez e de os passos de Tomé serem largos, pois Tomé não quer ser visto, e o lento que se obriga a ser, para que os passos não o denunciem, faz-lhe doer as pernas e os miolos. De tão devagar que ele andava, tinha o druida tido tempo para mais uma poção, é pena druida ser só nome e não habilitação profissional. Tomé chega ali, dez metros a contar do sítio em que estava que eram dez metros do sítio onde estava até às costas do druida, o sítio em si não interessa, está prestes a acontecer um crime, silêncio, dez metros que demoram uma hora e metade de outra a serem percorridos, Tomé é uma lesma.
O druida virou-se e não teve tempo de o lamentar, porque o lugar do cérebro habilitado à lamentação foi furado em tiro primeiro e certeiro do revólver de Tomé, Tomé não só é lesma como assassino.
Recuperou o andar normal, atravessou estradas e avenidas com a pistola na mão, do cano da arma escorrendo o suor da manápula assassina, e teria chegado ao careca, ou ao outro, ou às silhuetas atrás, recortadas sob a ombreira da porta para lá das escadas, se a morte que personificava não se tivesse virado contra ele, Tomé, de mão suada, arma deslizando pela mão, cano disparando sem querer, pé atingido sem doer, um carro engoma Tomé como um ferro engoma uma camisa branca, e Tomé não chega a sentir o pé desfeito, já que se desfaz Tomé inteiro por peso e poder da máquina.

1 comentário:

  1. Um final triste para uma personagem igualmente triste.

    "O travão de todos os males,
    o atenuador de todas as dores" - na mouche.

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