terça-feira, fevereiro 26, 2013

gulbenkian apoia 1

1. Vou fazer um espectáculo. Ouve. A minha vida tem sido isto. Tenho feito uns estudos. Que estudo é que eu faço de ti? Não foste sincero. Por isso, para a próxima... E o resto. 2. Vou fazer tempo. Ouve. A minha vida pode bem ter sido isto, isto e isto. Tenho feito uns espectáculos. Que espectáculo é que eu faço de ti? Não fui sincero. Por isso, não faço espectáculo nenhum. E o amor. 3. Vou fazer uma promessa. Ouve. A minha vida é isto. Tenho feito umas merdas. Que merda é que eu faço de ti? Não és sincero. Por isso, merda! E o teatro. Caro consultor Seguem as 3 respostas que obtivémos à pergunta "E agora?". Peço-lhe que, quando decidir quem devemos apoiar, o anuncie no título da nossa próxima publicação. Atentamente Raul

domingo, março 11, 2012

ó soldado dos meus ais

Por mais que puxes plo lençol quando tentas sair da cama,
ele não rompe.
O lençol só estica, não paramos de puxar,
e eu não desisto de nos ter debaixo dele.

Estamos p'r' aqui.
E quando começa a fazer calor?

quarta-feira, fevereiro 22, 2012

um contra o outro

Um tem saudades do outro. O outro não sabe o que tem.
Um e o outro entendem-se muito bem.
Um não gosta mais do outro do que o outro de um.
Um é mais bonito do que o outro.
Um precisa de espaço. O outro precisa de um.
Um não precisa assim tanto do outro.
Um não é coerente no comportamento que tem para com o outro.
Um tem mais em que pensar. O outro só quer pensar num.
Um não pára de telefonar, porque o outro atende sempre.
Um consegue rir com tudo, o outro só consegue rir com um.

Um diz ao outro para parar. A música não vai até ao fim.

Talvez cantemos a La Bohème, mas só o refrão, quando os timings coincidirem.

segunda-feira, janeiro 23, 2012

voyeuse

Podes fazer dois?
Na senhora surge um esgar de desafio quando faz esta pergunta.
Oh, claro.
A menina aceita, cheia de dúvidas.
Entram os dois.
Ela já está despida, eles vão-se despindo. Antes do total, ela apalpa os colhões e a pila de cada um, embrulhados em cuecas, por pouco tempo. Estão todos todos nus, as pilas murchas. A menina sorri. Perguntam-lhe se na cona, se no cu. Vão por partes.
Cona?
A menina aceita, cheia de dúvidas.
Eles não gostam de pêlos.
Cu?
Oh, claro.
As pilas incham. Então vai-lhe um, que bruto.
A menina não se queixa, hoje ganha a dobrar. Uma pila de cada vez. O único som é o dos colhões a bater nas imediações. O outro está a masturbar-se virado para um espeho onde se duplica o resto.
O homem lá dentro está farto e sai.
A menina ajeita-se, mas não precisa de se limpar, porque ele não se veio. Quem se vem é o outro, que no último instante se vira e se vem em cima do amigo.
O amigo não se queixa. Comparam as pilas, a menina não comenta. Não há grande diferença, só que uma é mais grossa e mais escura. A menina olha para a cona, pesarosa. Decide ir lamber a esporra dum nas costas do outro. Ainda não está tudo limpo quando eles se começam a aborrecer.
Cu?
Entram os dois.
Ela já está aquecida, mas dói-lhe muito. Eles insistem e apesar de estarem distraídos um com o outro parecem querer fazê-la sangrar. Não se vêm ao mesmo tempo porque um tinha acabado de se vir, em cima do outro, a menina sabe isto porque foi ela que lambeu. O outro, depois de se vir dentro dela, espera lá dentro, enquanto aquele investe, mais devagar. Estão os dois a gostar muito.
A menina não se queixa, hoje ganha a dobrar. A menina está cheia de esporra dentro de si, a que engoliu com a boca e a que engoliu com o cu. Escorre para fora quando eles já estão fora. Eles vestem-se um ao outro.
A menina ajeita-se, precisa de se limpar. Está a sangrar, porque está rota.
Saem os dois.
Estou a ver que podes.
A menina sorri.
A senhora esteve sempre lá.

quinta-feira, dezembro 29, 2011

o aquário (excerto)

Luz. Há um aquário grande. CALIPSO brinca com a mão na água dos peixes.
Y: Estás a perceber?
CALIPSO: Oh, sim, estou. Tira a mão de dentro do aquário. Que tal a guerra? Essa guerra. Correu bem? Ganharam?
Y: Estou vivo.
CALIPSO: Ainda bem. Vieste morrer aqui?
Y: Vim morrer aqui.
CALIPSO: Vou trazer-te um café.
CALIPSO vai até à mesa do encenador e traz de lá um café, que este lhe entrega. Antes de o dar a Y, arranca-lhe um beijo curto.
Y: Não quero beijar-te mais vez nenhuma. A guerra correu bem. Matei vinte e nove pessoas, só uma é que era mulher. Matei vinte e oito homens, estás a perceber? Senti-me bem a matá-los, senti arrepios no início. Sabes, senti uma parte luminosa a evacuar-me e pouco depois disso esse espaço já estava preenchido. Depois senti-me bem. A minha cabeça estava vazia, a minha cabeça, sabes? Matei pelo menos vinte homens de cabeça vazia. Os outros arrepiaram-me. Mas depois foi tão bom. O café está uma merda.
CALIPSO: E agora?
Y: O quê?
CALIPSO: Tens pessoas aqui que querem morrer. Desejas matar alguma delas?
Os outros agitam-se e fazem sons.
Y: Sim. Mas não vou matar mais ninguém. Isso e beijar-te. Beijar-te nunca mais te beijo. Matar também não mato. Já não sou um soldado. Não voltes a meter ali a mão, ouviste?
CALIPSO: Está bem. Tens razão, não devo.

acção interna

Ela convida-o para entrar na sua casa e a casa afigura-se-lhe desde o início como uma casa de pecado.
A par da atmosfera quente e quieta do espaço proposto para aquele encontro, a rapariga ganha aos seus olhos a textura e o contorno duma mulher, que se expõe em calor e em romantismo, quando diz das festas e dos trajes sumptuosos, dos acontecimentos originais e das aventuras do espírito.
Há um excesso muito perturbador na forma como ela própria se descreve. Mas a grandeza não é hipérbole, antes real.
A rapariga tem tudo e tudo alcançou já, no que toca a possibilidades de conquista, de conquista da vida. A rapariga tem tudo para ser mulher. As situações que o seu corpo desenha ou em que ele se inscreve são mais elevadas e mais interessantes em todos os domínios.
Tanto o cavalheiro que encontrou para si como a transcendência cosmopolita que ela devora mas em que não se dilui parecem aparas dum esquisso de ficção.
O mais incrível para ele foi o facto de, apesar de o sonho ser a coisa que a ilumina (a coisa que ele não tem) e a podia desacreditar (a ele também), este ser o elemento que a esclarece e em vez de a encerrar e de a esgotar a potencia, como exemplo, como projecto único, como mulher e como musa.

terça-feira, setembro 27, 2011

a gaivota

rendez-vous

A agente imobiliária era uma mulher baixa e entusiasmada. Conhecia-se mal, mas gostava do pouco que conhecia sobre si, em especial do seu trabalho, que se caracterizava completamente em desenvolver meios de aplicação dos princípios gerais da insistência.

Pierre Vert era o nome do porteiro dum prédio erguido há que tempos naquela cidade. Pierre não cedia com facilidade, não porque a isso fosse obrigado, mas porque entendia que o poder sobre as chaves, as entradas e as saídas, exigia de si tirania, e tirano, ainda que pequeno, era o que ele era.

Quando no prédio guardado por Pierre entra a agente imobiliária, é porque há uma casa que tem que ser visitada, comprada, mas para isso aberta e então temos a persistente agente a querer que Pierre abra a porta, a publique, a liberte - e Pierre fincando o seu tirano pé, não deixo coisa nenhuma.

A agente imobiliária desistiu hoje mesmo daquela casa.
Pierre Vert pousou hoje mesmo as chaves e não mais saberá delas.

A desistência é uma revelação. / Clarice Lispector

quarta-feira, agosto 10, 2011

lição de tango

1. Victor e Melissa aproximam-se, e para tal executam diagonais obscenas.
Quando se agarram, não se olham. Depois, então, sim. Os olhos dela como poços onde os dele se precipitam para de lá trazer água.
Sem descanso em Bratislava, agarram-se e soltam-se para se apropriarem um do outro outra vez. A agilidade é líquida e escorre do pescoço dela para os ombros dele.
O suor é digital.

2. Victor e Melissa conversam para chegarem a algum lado onde os corpos não chegaram. Mas o piano sobrepõe-se às palavras e são chamados de novo à pista, sem que haja tempo para dois dedos e duas pedras de gelo.

3. Victor e Melissa brilham, ela deixa cair o tronco e os cabelos para trás: ele segura-a pela cintura. Ela respira e sobe para ele, há uma pausa. E as diagonais são de novo desenhadas, porque o ritmo encontra a sua origem. Até à exaustão, os corpos se torcem e escaldam e não se ouve lamento nenhum.

Mas depois separam-se e ficam apenas os riscos dourados.
Alguém aplaude.

sexta-feira, agosto 05, 2011

não

O homem de alças caminhava pelo trilho junto ao mar.
Estava a seguir uma mosca.
Na coisa de madeira que estava encaixada perpendicularmente no trilho, o homem de óculos olhava-o, enquanto executava um cigarro: parecia fazer-lhe uma pergunta.
A mosca pousou em cima do cigarro do homem de óculos e o homem de alças seguiu-a.
Enfrentaram-se.
O homem de óculos baixou-os sobre o nariz.
O homem de alças: dás-me um cigarro?