sábado, outubro 30, 2010

sms

Quer exprimir-se de
uma forma clara e explícita,
O deus lhe concedeu a
dádiva do canto inspirado.
Incompetente de
merda,
É preciso criar
novas formas!
Questão fez de
me lembrar.


Pardon my enthusiasm.

terça-feira, outubro 26, 2010

filmagem das curvas dos corpos

Sentam-se.

ROSA: Dá-me.
PEDRO: O quê?

ROSA: Estás a ouvir? Dá-me.
PEDRO: De uma vez por todas?
ROSA: Sim. E para sempre.
PEDRO: O que tu quiseres.
ROSA: Tu não sabes o que eu quero.
PEDRO: Sei. Dou-te?

ROSA: Toma tu também.
PEDRO: Não quero.
ROSA: Anda lá.
PEDRO: Onde?
ROSA: O quê?
PEDRO: Comigo não.

Matam-se.

segunda-feira, outubro 25, 2010

tomé em tempos de crise (2)

O druida era homem para morar longe dali, longe de si, longe da sua própria morte, que ia a caminho, é ela que vem sempre ter connosco, não é por ser o Tomé, neste caso, que vai a caminho, sendo, mesmo não querendo, mesmo que seja pouco o que lhe pagam, a morte do druida.
Estava a dez metros de distância do druida. Ele estava de costas, onde é que já se viu, de costas para a própria morte, que falta de respeito para com o travão de todos os males, o atenuador de todas as dores, o silenciador de todos os bicos, mesmo a tempo, majestade, não me vires as costas, scar, quem diz scar, diz druida, não estamos nós na selva, nem isto é animação, é sim relato do que faz tomé em tempos de crise, não me vires as costas druida.
Os dez metros fazem-se mal, apesar de serem só dez e de os passos de Tomé serem largos, pois Tomé não quer ser visto, e o lento que se obriga a ser, para que os passos não o denunciem, faz-lhe doer as pernas e os miolos. De tão devagar que ele andava, tinha o druida tido tempo para mais uma poção, é pena druida ser só nome e não habilitação profissional. Tomé chega ali, dez metros a contar do sítio em que estava que eram dez metros do sítio onde estava até às costas do druida, o sítio em si não interessa, está prestes a acontecer um crime, silêncio, dez metros que demoram uma hora e metade de outra a serem percorridos, Tomé é uma lesma.
O druida virou-se e não teve tempo de o lamentar, porque o lugar do cérebro habilitado à lamentação foi furado em tiro primeiro e certeiro do revólver de Tomé, Tomé não só é lesma como assassino.
Recuperou o andar normal, atravessou estradas e avenidas com a pistola na mão, do cano da arma escorrendo o suor da manápula assassina, e teria chegado ao careca, ou ao outro, ou às silhuetas atrás, recortadas sob a ombreira da porta para lá das escadas, se a morte que personificava não se tivesse virado contra ele, Tomé, de mão suada, arma deslizando pela mão, cano disparando sem querer, pé atingido sem doer, um carro engoma Tomé como um ferro engoma uma camisa branca, e Tomé não chega a sentir o pé desfeito, já que se desfaz Tomé inteiro por peso e poder da máquina.

domingo, outubro 24, 2010

tomé em tempos de crise (1)

Foi no quarto lance de escadas que Tomé deu o primeiro suspiro de cansaço. No último degrau, bem soube, pôde descansar as calosidades em erupção e sentir o vento de raspão nos pêlos ralos do pescoço. À sua volta, tudo era cinzento, como uma multidão desinteressante. Há mesmo uma multidão desinteressante que surge, encabeçada pela figura de um careca, recortado sob a ombreira duma porta agora nítida, que lhe diz
olá
venha cá
ao que veio
diga lá
ao que respondeu Tomé, com o discurso prudente, ligeiramente ensaiado, não era hábito seu fazer parte destes ajuntamentos, mas esse seu emergente desejo permitia às palavras sair, e elas saíram tipo
fui enviado
sou eu
escolheram-me
não quero
fui obrigado
o que é que tenho que fazer?
Aí o careca recuou e perdeu-se na multidão que estava atrás dos seus ombros. Outro avançou, este com cabelo e barba, tudo a que tem direito, inclusive um olho negro, este levara porrada, se levara também dera, se dera podia dar-lhe porrada a ele também, Tomé, coitado, que medo que ele tem. Diz-lhe o cabeludo que
é assim
é um gajo
para morrer
para matares
é o druida
conheces
vês como conheces
Tomé afastou-se, em arrecuas semelhantes às do careca, mas acenou como quem aquiesce, como quem diz que sim mesmo que queira dizer que não, como quem não é assassino mas decide brincar aos assassinos por uns trocos, porque não há, porque é assim, porque Deus não existe, então o Inferno também não.

segunda-feira, outubro 18, 2010

texto inútil de palavra esforçada que é o que é

Vale mais a ponta de um ponteiro que a longa cadência dos anos. O momento de ouro, que depende da cadeira, de mim ou de ti, do cigarro, do tique que se desvenda, do som da gota que cai em jeito de tortura ou da música, o momento de ouro é cada um deles. É de se agarrar. À senhora da paragem, vestida em seu pijama branco de insanidade, falta o registo das horas, dos fragmentos, do que respira cá fora, sentada comigo à espera do eléctrico que só passa para mim, que eu apanho, que para ela não, não há eléctrico. Talvez esteja a aproveitar, assim, sentada e alisando com as mãos o pijama branco, mas não, fala, cospe a lenga lenga baloiçante, e não a vejo respirar. Quando o som se corta, a boca mexe. Está assustada.
Vá, tento pôr-me na posição que defendo, mais difícil é o fazer do que o dizer, o dizer é fácil, é corriqueiro, o dizer é um cagalhão escorrido - só não o é realmente porque o cagalhão espreita do cu e o dizer da boca. Vá, tento pôr-me na posição que defendo. Mas não estou a babar cada palavra que digito, nem a sentir a pulsação de cada vírgula. Escrevo sem prazer, como se precisasse, como se faltasse. Mas era melhor que não. Melhor que isto era a mão, o chá e o papel.
Leio-me e, porque sim, ponho aqui este ponto.


Assinado por Mim, mais um bocadinho.