quarta-feira, agosto 10, 2011

lição de tango

1. Victor e Melissa aproximam-se, e para tal executam diagonais obscenas.
Quando se agarram, não se olham. Depois, então, sim. Os olhos dela como poços onde os dele se precipitam para de lá trazer água.
Sem descanso em Bratislava, agarram-se e soltam-se para se apropriarem um do outro outra vez. A agilidade é líquida e escorre do pescoço dela para os ombros dele.
O suor é digital.

2. Victor e Melissa conversam para chegarem a algum lado onde os corpos não chegaram. Mas o piano sobrepõe-se às palavras e são chamados de novo à pista, sem que haja tempo para dois dedos e duas pedras de gelo.

3. Victor e Melissa brilham, ela deixa cair o tronco e os cabelos para trás: ele segura-a pela cintura. Ela respira e sobe para ele, há uma pausa. E as diagonais são de novo desenhadas, porque o ritmo encontra a sua origem. Até à exaustão, os corpos se torcem e escaldam e não se ouve lamento nenhum.

Mas depois separam-se e ficam apenas os riscos dourados.
Alguém aplaude.

sexta-feira, agosto 05, 2011

não

O homem de alças caminhava pelo trilho junto ao mar.
Estava a seguir uma mosca.
Na coisa de madeira que estava encaixada perpendicularmente no trilho, o homem de óculos olhava-o, enquanto executava um cigarro: parecia fazer-lhe uma pergunta.
A mosca pousou em cima do cigarro do homem de óculos e o homem de alças seguiu-a.
Enfrentaram-se.
O homem de óculos baixou-os sobre o nariz.
O homem de alças: dás-me um cigarro?

quand je bois du vin clairé

Disse uma vez o Raul aos aldeãos da calina, aproveitando uma pausa que o vento trouxe:
- Às pessoas que por mim não detêm qualquer fascínio, as que me odeiam ou as que me não conhecem, deviam pagar um copo de vinho as pessoas que me amam fascinadamente (quer me conheçam quer não), aproveitando para sugerir com a máxima discrição que me paguem um copo a mim.
E os aldeãos abriram os barris e beberam o vinho animadamente.

arquitectura

Bem-vindos à casa que é uma metáfora do paraíso.
Não há casa como esta. Apresento-vos o porteiro, não o subestimem só por ter cara de sapo: a um sinal mínimo de indecoro da vossa parte, ficarão à porta. Entrem. Seja bem-vindos mas não se sintam desejados nem esperem que o vosso nome seja lembrado, vejam que bela pintura. É um retrato meu, que vos ficará para sempre na memória. Subamos ao quarto. Veremos o quão poderosa é a acústica destas paredes quando gemerem - a melhor coisa que podem fazer nesta casa é foder. Depois disso, saiam.
E terá sido um prazer.

pouca terra

Vais gostar mais de mim quando me olhares, do vale da tua poltrona.
Faz isso.
Não te mexes, porque podes só deixar-te estar e o comboio prossegue e a terra é pouca e tu não me olhas.
Só te interessas pela cidade.

Raul