sexta-feira, dezembro 24, 2010

tudo bate o pé

Toma. Oh, obrigado. Gostas? Sim. É para ti. Eu sei. Estou a dar-te uma coisa. Já vi. O que é que se diz? Obrigado, já disse. Repete. Obrigado. Isso. Gosto muito. Ainda bem. Há mais? Para o ano. Dá-me um beijo. Para o ano.


Ande o frio por onde andar - B.V.

quinta-feira, dezembro 16, 2010

o que a gente quer

A: Já tomaste banho?
B: Já tomei banho. Podes sair.
A: Mas não quero. Estava a gostar.
B: Se já não estás, podes sair, já disse.
A: Não estou a gostar da conversa, é só isso.
B: Então sai. Já tomei banho.
A: Não queres dar uma? Dar outra, quero dizer?
B: Não dava tempo. Estou farta de foder.
A: Eu estou farto de conversar.
B: Eu estou farta de ter que me lavar.
A: Depois?
B: Sim. Farta.
A: Eu estou farto de ti. Sabes isso? Estou farto de ti.
B: Pois. Já tomei banho. Podes sair.
A: Queres que te compre cigarros?
B: Sim.
A: Vou sair. Veste-te.

o próprio

Quando Jonas saiu da máquina, estava ressuscitado. Ouviu-se um ruído, um chiar muito forte, que a fez sair da sala, à mulher dele, desse Jonas que era outra vez vivo e novo e bem-parecido. Quando Jonas saiu da sala da máquina, a mulher não estava lá fora, o homem perdeu o significado da outra vida e começou a chorar.
A mulher não gostava do chiar da máquina, mesmo este chiar que lhe tinha trazido um homem, um marido, o mesmo de sempre, o que a enviuvara. A mulher mastigou o ódio: nem o engoliu nem o cuspiu, mas fez com ele uma papa, má de se mascar. A mulher de Jonas odiava-o por ele se ter matado; matara-se por medo dela, que tinha descoberto o seu envolvimento com a enfermeira Nanci e o queria matar. Jonas matara-se para que a víbora não o matasse. E a mulher devolveu-o, carregando no botão azul, para que o pudesse matar.
A mulher já matara Nanci e lamentou-se a um espelho para mãos pequenas o quão cara tinha sido a máquina; esperou pelo Jonas aqui ao pé do carro. Guardou o espelho. Quando a curiosidade trouxe Jonas cá fora, ela já tinha a arma na mão.
Antes de o matar, perguntou-lhe :
Sabes o meu nome já reparaste que não tenho nome já viste que quando as pessoas as pessoas precisarem de me conhecer a cara de a marcar de nunca a esquecer não vão ter nome para lhe dar já imaginaste e se fosse contigo ias gostar não ias mato-te aqui mato-te agora estás morto.
Jonas murmurou qualquer coisa mas não se percebeu. Às tantas a respiração parou.